sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Ritual dos Sonacirema

Este texto revela os rituais e costumes do povo sonacirema. Ele guarda uma grande surpresa no final e nos ajuda a entender um pouco sobre choque cultural e preconceito. Boa leitura!

O Prof. Linton foi o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, há vinte anos atrás. Mas a cultura deste povo é ainda muito pouco compreendida. Os Sonacirema são um grupo norte-americano que vive no território que se estende desde o Cree do Canadá aos Yaoui e Tarahuma do México e aos Carib e Aruaque das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mítica afirme que eles vieram do leste.

A cultura sonacirema se caracteriza por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que se beneficiou de um habitat natural muito rico. Embora a maior parte do tempo das pessoas, nesta sociedade, seja devotada à ocupação econômica. Uma grande porção do fruto destes trabalhos e uma considerável do dia são despendidas em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde constituem a preocupação dominante dentro do ethos deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja realmente pouco comum, seus aspectos cerimoniais e filosofia ai implícita são únicos.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e que sua tendência natural é a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo a única esperança do homem é evitar essas através do uso de poderosas influências do ritual e da cerimônia. Todo grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade tem vários santuários em suas casas e, de fato, a opulência de uma casa é freqüentemente aferida em termos da quantidade dos centros de rituais que abriga. A maioria das casas é de taipa, mas os santuários dos mais ricos têm as paredes cobertas de pedras. As famílias mais pobres imitam os ricos, aplicando placas de cerâmicas nas paredes de seus santuários.

Embora cada família possua ao menos um desses santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mais sim privadas e secretas. Os ritos, normalmente, só são discutidos com as crianças, e isto apenas durante a fase em que elas estão sendo iniciadas nesses mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os nativos uma relação que me permitiu examinar esses santuários e anotar a descrição desses rituais.

O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede.Nesta arca são guardados os inúmeros feitiços e porções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais feitiços e porções são obtidos de vários profissionais especializados. Dentre estes, os mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços devem ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as porções curativas para seus clientes, decidindo apenas os ingredientes que nelas devem entrar, escrevendo-os em seguida em uma linguagem antiga e secreta. Tal escrito só pode ser decifrado pelo curandeiro e pelos herbanários, os quais – mediante outro presente - fornecem o feitiço desejado.

O feitiço não é descartado depois de ter servido ao seu propósito, mas sim é colocado na caixa de mágica do santuário doméstico. Como estes materiais mágicos são específicos para certas doenças, e considerando-se que as doenças reais ou imaginárias deste povo são muitas, a caixa de mágicas costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado vagos em relação a esta questão, só podemos concluir que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos os velhos materiais mágicos é a de que sua presença na caixa de mágica,diante da qual os rituais do corpo são encenados, protegerá de alguma forma o fiel.

Embaixo da caixa de mágicas existe uma pequena fonte. Todo dia cada membro da família, em sucessão, entra no quarto do santuário,curva a cabeça diante da caixa de mágica, mistura diferentes tipos de águas sagradas na fonte e realiza um breve rito de ablução. As águas sagradas são obtidas do Templo da Água da comunidade, onde os sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o liquido ritualmente puro.

Na hierarquia dos profissionais da magia, e abaixo do curandeiro em termos de prestigio, estão os especialistas cuja designação é melhor traduzida por “Homens-da-boca-sagrada.” Os Sonacirema vêem o horror pela boca e uma fascinação por ela que chegam às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possui uma influência sobrenatural nas relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca,os Sonacirema acham que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas encolheriam, seus amigos o abandonariam, seus amantes os rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre características orais e morais. Assim, por exemplo, existe uma ablução das bocas das crianças que se considera como forma de desenvolver sua fibra moral.

O ritual do corpo cotidianamente realizado por todos inclui o rito bucal. Apesar de sabermos que este povo é tão meticuloso no que diz respeito ao cuidado da boca, este rito envolve uma prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante. Conforme foi-me descrito o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos, e em seguida na movimentação desse feixe segundo uma série de gestos altamente formalizados.

Além desse rito bucal privado, as pessoas procuram o homem-da-boca-sagrada uma ou duas vezes por ano. Estes profissionais possuem uma impressionante parafernália, que consiste em uma variedade de perfuratrizes,furadores, sondas e agulhas. O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica uma quase inacreditável tortura ritual do cliente. O homem-da-boca-sagrada abre a boca do cliente e, usando as ferramentas citadas, alarga quaisquer buracos que o uso tenha feito nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nestes buracos. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serradas para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do cliente, o objetivo destas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos.O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito fica evidente no fato de que os nativos retornam todo ano ao homem-da-boca-sagrada, embora seus dentes continuem a se deteriorar.

Deve-se esperar que, quando o estudo intensivo dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa cuidadosa sobre a estrutura de personalidade destes nativos. Basta observar o brilho nos olhos de um homem-da-boca-sagrada, quando ele enfia uma agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma dose de sadismo está presente. Se isto puder ser verificado, uma configuração muito interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências masoquistas bem definidas. Era as tais tendências que o professor Linto se referia ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo, que é realizado apenas pelos homens. Esta parte do rito envolve uma arranhadura e laceração da superfície do rosto por meio de um instrumento cortante. Ritos femininos especiais ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência lhes sobra em barbárie. Como parte dessa cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente interessante é que um povo dominantemente masoquista desenvolveu especialistas sádicos.

Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas,necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem ser realizadas neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais que se movimentam lentamente nas câmaras do templo com uma roupa e um penteado distintos.

As cerimônias Latipsoh são tão violentas que chega a ser fenomenal o fato de que uma razoável proporção de nativos realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. Crianças pequenas cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de levá-las ao templo, alegando que “é aonde você vai para morrer”. Apesar disso, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se eles possuem meios para tanto.Os guardiões de muitos templos, não importa quão doente o suplicante ou quão grave a emergência, não admitem o cliente se ele não pode dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que se conseguiu a admissão e se sobreviveu às cerimônias, os guardiões não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente.

O(a) suplicante ao entrar no templo, é primeiramente despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana os Sonacirema evitam a exposição de seu corpo e das suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, onde são ritualizados fazendo parte dos ritos corporais. A súbita perda da privacidade corporal, ao se entrar no Latipsoh, costuma causar um choque psicológico. Um homem, cuja própria mulher jamais viu quando ele realizava um ato excretório, de repente encontra-se nu, assistido por uma vestal enquanto executa suas funções naturais dentro de um vaso sagrado. Esse tipo de tratamento cerimonial é necessário porque as excreções são usadas por um adivinho para diagnosticar o curso e a natureza da doença do paciente. Os clientes femininos por seu lado, vêem seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e espetadelas dos curandeiros.

Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficar deitado em suas camas duras. As cerimônias diárias, como os já citados ritos do Homem-da-boca-sagrada,implicam desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis pacientes, rolam-nos em seus leitos de dor enquanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objetos de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do paciente, ou obrigam-no a comer substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos os curandeiros vêm aos seus clientes e atiram agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que estas cerimônias do templo possam não curar, ou possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.

Ainda resta um outro tipo de especialista, conhecido como um “Escutador”. Este feiticeiro tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais fazem feitiçaria contra seus próprios filhos. As mães são especialmente suspeitas de colocarem uma maldição nas crianças enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do “feiticeiro escutador” é singular por sua relativa ausência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “escutador” todos os seus problemas e medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. A memória exibida pelos Sonacirema nessas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum que o paciente lamente a rejeição que sentiu ao ser desmamado, e alguns indivíduos chegam a localizar seus problemas nos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.

Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às suas funções naturais. Há jejuns rituais para fazer pessoas gordas ficarem magras, e banquetes cerimoniais para fazer pessoas magras ficarem gordas. Outros ritos ainda são usados para fazer os seios das mulheres maiores, se eles são pequenos, e menores, se eles são . Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hiper-mamário são tão idolatradas que podem viver muito bem através de simples viagens de aldeia a aldeia permitindo aos nativos admirá-las mediante uma taxa.

Já fizemos referência ao fato de que as funções excretórias são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao domínio do secreto. As funções reprodutivas naturais são igualmente distorcidas. O intercurso sexual é tabu como tópico de conversa, programado e planejado enquanto ato. Grandes esforços são feitos para evitar a gravidez por meio do uso de materiais mágicos ou pela limitação do intercurso à certas fases da lua.A concepção é realmente muito pouco freqüente.Quando grávidas, as mulheres se vestem de forma a ocultar seu estado.

O parto se realiza em segredo, sem amigos ou parentes assistindo, e maioria das mulheres não amamenta nem cuida de seus bebes.

Nossa descrição da vida ritual dos Sonacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender, como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo debaixo dos pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Mas mesmo costumes tão exóticos quanto esses ganham seu verdadeiro sentido quando encarados a partir do esclarecimento feito por Malinowski quando escreveu:

“Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas sem este poder e este guia. o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades praticadas como o fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios da civilização.”


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Agora experimente ler a palavra sonacirema ao contrário. Sim, somos nós os americanos. Este texto serve para mostrar o quanto podemos ser estranhos. O santuário na casa é o banheiro, o cofre ou Bau é a estante em cima da pia constantemente cheia de remedios. O homem da boca sagrada é o dentista. O grande latipsoh é o hospital. O escutador é o psicólogo. Gostou? Então descubra mais coisas relendo o texto.

” Quando não estamos abertos a outras culturas não somos somente cegos em relação a elas, mas também míopes quanto a nós mesmos” (Laplantine).


Fonte: Body Ritual among the Nacirema. American Anthropologist, 1956;58:503-50. Tradução de Eduardo Viveiros de Castro

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Pesquisadores são acusados de crime ambiental

Ibama envia intimação a Luis Hildebrando da Silva, diretor do Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais, e Rodrigo Guerino Stabeli, pesquisador da instituição, para prestarem esclarecimentos sobre biopirataria

A preocupação com o tratamento dispensado aos cientistas brasileiros pelos órgãos de fiscalização do meio ambiente ­ queixa constante dos institutos de pesquisa ­ chegou aos ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia.

Circulam entre as duas pastas e-mails de cientistas indignados com as intimações expedidas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), que os acusam de crime ambiental e, mais especificamente, biopirataria.

O caso mais recente aconteceu na última segunda-feira, quando agentes do Ibama intimaram Luis Hildebrando da Silva, diretor do Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais, e Rodrigo Guerino Stabeli, pesquisador da instituição.

Segundo Guerino, a Linha Verde-Amarela do Ibama, uma espécie de ouvidoria, recebeu a denúncia anônima de duas pessoas, que se identificaram como da Academia Brasileira de Ciências, de que os dois estariam agindo como biopiratas e enviando material da biodiversidade brasileira para instituições internacionais.

“O que chateia é o Ibama estar atrás de cientistas que possuem licença para a pesquisa”, reclama Guerino, que se diz preocupado com o que chama de movimento anti-terrorista científico.

Para o professor, é um paradoxo cientistas serem constantemente intimados por órgão de fiscalização do meio ambiente, quando os estudos são financiados por órgãos do governo, como o CNPq e a Finep.

"Estou amplamente preocupado com o futuro científico do nosso país. De um lado, as ONGs protetoras dos animais de biotério (utilizados na produção de fármacos), do outro instituições públicas que buscam combater como biopiratas funcionários públicos que exercem a docência e a pesquisa em laboratório fixo, que possui endereço fixo e que lideram dois projetos nacionais", diz o e-mail que chegou aos ministros do Meio Ambiente, Carlos Minc, e de Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende.

De acordo com Ennio Candotti, membro da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), 70% da produção científica sobre a Amazônia pertencem a pesquisadores estrangeiros. E, para mudar esse quadro, seria necessário que o Brasil multiplicasse por 10 o que já investe na pesquisa.

“Nós, cientistas, somos todos tratados como criminosos até que se prove o contrário”, afirma Candotti. “Qualquer um pode matar cupins que invadem suas propriedades ou até armários, mas os cientistas precisam pedir a autorização de algum burocrata de Brasília para estudá-los. Falam que vamos destruir a biodiversidade, mas o agronegócio queima milhares de quilômetros de floresta.”

Leia a íntegra

Fonte: Jornal da Ciência - SBPC

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A galinha, a filosofia e a evolução


Colunista resgata a origem do dilema de quem surgiu primeiro e o relê sob um prisma darwiniano






Uma das palavras mais preciosas para quem milita no mercado das idéias e no campo aberto do conhecimento é “academia”. As academias são entidades de elite que reúnem os maiores expoentes de um campo de atividade intelectual científica ou artística, eleitos pelos seus pares. Também falamos em "comunidade acadêmica" para nos referir às universidades e ao conjunto de professores e pesquisadores que se dedicam à produção e propagação do saber. Assim, vale a pena discutir as origens da palavra, que remontam à Grécia antiga.

A Academia (Akademeia) era um arvoredo localizado na estrada que saía do portão ocidental de Atenas, às margens do rio Cefiso. Em priscas e mitológicas eras, essas terras haviam pertencido a um cidadão chamado Academos – daí o nome do local. Academos ajudou os gêmeos Castor e Pólux, filhos de Zeus com Leda, a libertar a belíssima Helena (a mesma que mais tarde seria o pivô da guerra de Tróia), que tinha sido raptada por Teseu e levada para Ática.

Em recompensa por sua ajuda, Zeus deu a Academos o direito de falar o que bem quisesse dentro de sua propriedade sem ser castigado, mesmo que isso pudesse ofender os próprios deuses. Inspirados por essa encantadora lenda – a primeira alegoria da liberdade de expressão na história ocidental –, os cidadãos da Atenas de Péricles costumavam reunir-se na Akademeia para debater livremente assuntos importantes da época.

Lá, Platão (427-347 a.C.) fundou a sua escola de filosofia, que adotou o nome do parque. A instituição, que continuou a funcionar no mesmo lugar por 900 anos após a morte de Platão, tornou-se o berço do racionalismo, do pensamento científico e de alguns dos nossos mais preciosos conceitos sobre justiça e liberdade.

Pois bem: um belo dia, Platão, reunido com seus alunos na Academia, resolveu definir o ser humano como “um bípede implume”. Imediatamente, o cínico Diógenes (~412-323 a.C.), que tinha um penchant para o dramático, pegou uma galinha, removeu suas penas e a apresentou à turma, dizendo com ironia: “eis o homem de Platão”.

A partir desse momento os galináceos se integraram irreversivelmente à filosofia ocidental, tornando-se um importante protagonista do seu desenvolvimento.


Aristóteles, a galinha e o ovo

O filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, foi o primeiro a registrar sua perplexidade ante à dúvida do que veio primeiro, a galinha ou o ovo. Ele escreveu em sua Historia Animalum: “Se existiu um primeiro homem, ele deve ter nascido sem pai nem mãe – o que é repugnante para a natureza. Pois não pode ter havido um primeiro ovo para dar origem aos pássaros, nem pode ter havido um primeiro pássaro que deu origem aos ovos, pois um pássaro vem de um ovo”.

A partir daí a imagem da galinha e do ovo tornou-se a referência padrão em filosofia e mesmo no linguajar do dia-a-dia para se referir à futilidade de se tentar resolver dilemas de causas e conseqüências circulares. Esses dilemas envolvem auto-referência e se relacionam com o conceito de “alça estranha” (strange loop).

Uma alça estranha emerge quando, ao nos movermos para baixo ou para cima em um sistema hierárquico, nos encontramos de volta ao lugar no qual começamos (ver figura). Esse conceito foi proposto e magistralmente discutido pelo informata americano Douglas Hofstadter (1945 -) no seu maravilhoso livro Gödel, Escher, Bach (que ganhou o Prêmio Pulitzer em 1980) e, mais recentemente, no livro de 2007 Eu sou uma alça estranha (no original, I am a strange loop).

Um exemplo de uma alça estranha é a rede informacional criada pelo DNA e pelas enzimas. O DNA contém o código para a síntese das enzimas, que, por sua vez, são indispensáveis para a replicação e transcrição do DNA.

Deixando intelectualismos de lado, devemos nos lembrar que o problema da galinha e do ovo foi colocado por Aristóteles em uma perspectiva fundamentalmente evolucionária, da origem de uma espécie. Para nós, que vivemos em uma época pós-darwiniana, não há dilema algum.

Antes de se tornar uma galinha (Gallus gallus), o animal tem necessariamente de ter sido um embrião de galinha, com genoma de galinha, que forçosamente deve ter se desenvolvido em um ovo que, contendo um embrião de galinha era, ipso facto, um ovo de galinha. Q.E.D.

Obviamente existe nesse raciocínio a premissa fundamental de que o ovo deve ser definido pelo embrião mutante contido nele e não pelo animal que o pôs, que neste caso teria de ser um antecessor evolucionário de Gallus gallus.


Galinhas e estradas

O dilema do ovo nos remete a uma brincadeira intelectual que também envolve a mesma ave. Por que a galinha atravessou a estrada? Este é um jogo que desafia a imaginação de quem é perguntado e tem de elaborar uma resposta original. A Wikipédia traça as suas origens a um artigo que apareceu em 1847 no The Knickerbocker, revista mensal de Nova Iorque.

De qualquer maneira, circulam pela internet algumas contribuições muito inteligentes a essa brincadeira feitas ao longo do tempo. Vejamos algumas que considero excepcionais (para facilitar ao leitor a tarefa de captar o sentido completo das piadas, os nomes estão em hipertexto com links para as respectivas biografias na Wikipédia):

Aristóteles: Para concretizar seu potencial.
Epicuro: Por diversão.
Pirro, o cético: Que galinha? Que estrada?
Zenão de Eléia: Para provar que nunca conseguiria chegar ao outro lado.
Blaise Pascal: Quem sabe? O coração da galinha tem razões que a própria razão desconhece.
David Hume: Por costume e hábito.
Karl Marx: Foi uma inevitabilidade histórica.
Jean-Paul Sartre: A galinha define sua existência pela livre escolha de cruzar a estrada.
Karl Popper: Para falsificar a hipótese que galinhas não cruzam estradas.
Sigmund Freud: A preocupação com o fato de a galinha ter cruzado ou não a estrada é um sintoma de insegurança sexual.
Albert Einstein: Se a galinha cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob a galinha, depende do observador.
Werner Heisenberg: Talvez a galinha tenha atravessado a estrada, talvez não.
Douglas Adams: Quarenta e dois.
Pierre de Fermat: O espaço que eu tenho aqui não dá para escrever a explicação.
Marcel Marceau: …
Che Guevara: Hay que cruzar la carretera, pero sin jamás perder la ternura.
Hamlet: Esta não é a questão.

Podemos agora arriscar algumas respostas evolucionárias, com links para colunas passadas:

Fundamentalista darwiniano: Ao longo do tempo, as galinhas foram geneticamente selecionadas para cruzar estradas.
Stephen Jay Gould: Por contingência.
Motoo Kimura: Neutramente, por variação estocástica – a galinha estava à deriva!


Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais
12/09/2008

Fonte: http://www.cienciahoje.org.br/128430

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

1 de setembro: Dia do Profissional de Educação Física

Estudo conclui que o professor de educação física não leva adolescente a prática de atividade física


Diversos fatores levam os adolescentes à prática de atividades físicas, mas o professor de educação física não é um deles. A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da Universidade do Porto, em Portugal, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

O estudo de revisão da literatura científica publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, no entanto, aponta divergências entre as pesquisas que abordam determinantes demográficos, biológicos, psicológicos e socioculturais da prática de atividades físicas entre adolescentes.

Além disso, o trabalho apontou que a condição socioeconômica elevada e a participação da família influenciaram positivamente a prática de atividades pelo adolescente. O dado mais preocupante foi que o professor de educação física pareceu não representar um fator propiciador da atividade física.

“É importante perceber que um comportamento tão complexo e multifatorial, como é a atividade física, não é explicado por uma única variável, ou por uma teoria interpretativa qualquer. Uma conclusão bem relevante das pesquisas epidemiológicas de natureza analítica é que, da variável total da atividade física, a percentagem atribuída aos fatores determinantes se situa entre os 10% e 30%”, afirmou um dos autores do estudo, André Seabra, professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, à Agência FAPESP.

Na revisão foram incluídos apenas estudos efetuados com amostras superiores a cem adolescentes com idades entre dez e 18 anos, que adotaram delineamentos de pesquisa transversal e que utilizaram questionários.

Para a pesquisa dos artigos foram consultadas as bases de dados Medline e SportDiscus, entre 1977 e 2006, utilizando-se as palavras-chave em inglês “physical activity”, “sport participation”, “demographic-biological and social-cultural determinants” e “adolescents”.

De acordo com Seabra, é natural que os resultados encontrados sejam divergentes, mas é preocupante que não haja algum consenso a respeito da influência positiva do professor de educação física na atividade física dos alunos, visto que ele deveria ser um dos principais motivadores nessa relação.

“Não existe outro grupo social que esteja tão bem preparado para prevenir a inatividade física como o dos profissionais de educação física. Esse grupo profissional terá efetivamente, a muito curto prazo, de estar envolvido no desenvolvimento e implementação de estratégias e programas que tenham como principal objetivo o aumento dos níveis de atividade física de crianças e adolescentes”, afirmou.

A disciplina de educação física, que segundo o professor português tem sido historicamente justificada pelos objetivos de caráter físico, social e moral, precisaria englobar em seus programas objetivos da área da saúde pública. “É importante destacar que o principal desafio que se coloca atualmente a esses profissionais é o de conseguir atuar em conjunto com os profissionais da saúde pública”, enfatizou.

Segundo Seabra, a execução do estudo foi difícil devido à diversidade de conceitos e expressões utilizados. Em muitos dos trabalhos epidemiológicos analisados, conceitos como atividade física e prática esportiva eram freqüentemente utilizados como sendo sinônimos quando, na realidade, refletiam estruturas conceituais e operacionais distintas.

“Um outro aspecto não mencionado no texto, mas também considerado, disse respeito à região geográfica em que a investigação foi sido realizada. Como se sabe, tentar extrapolações de resultados provenientes de diferentes regiões é uma tarefa problemática, dado que, realidades históricas, sociais, culturais, políticas, econômicas e climáticas distintas têm influência muito diversa na atividade física”, explicou.

A idade se mostrou um dos determinantes biológicos mais estudados. A grande maioria dos trabalhos concordou que a atividade física é um comportamento que tende a diminuir em ambos os gêneros à medida que a idade aumenta. “No entanto, salientamos a existência de algumas pesquisas, realizadas por exemplo em Portugal, que mostram um aumento dos níveis de atividade física com o aumento da idade”, disse.

Tal pai, tal filho

O estudo também ressalta o fato de que os hábitos de atividade física na família ajudam a influenciar as atividades físicas. Segundo o trabalho, os pais e os pares parecem ser o elemento crítico no desenvolvimento da criança e do jovem em realização ao interesse e à participação nesse tipo de atividade.

“Parece ser evidente, na literatura consultada, que os pais ativos tendem a ter filhos igualmente ativos. Essa influência positiva dos progenitores se verifica por meio da modelação de comportamentos e das oportunidades de participação em atividades físicas e de acesso a equipamentos desportivos”, disse o professor da Universidade do Porto.

O estudo identificou que, na literatura, o aspecto socioeconômico também foi um fator determinante na prática de atividade física. Mas, segundo Seabra, os resultados são pouco consensuais, não permitindo identificar com clareza o sentido e a magnitude dessa associação.

“Tivemos alguns problemas na análise da leitura, uma vez que eram diversas as formas de avaliação do estatuto socioeconômico, como rendimento familiar, formação acadêmica, atividade profissional. Apesar dessas dificuldades, a grande maioria das pesquisas parece mostrar que as crianças e adolescentes de baixa renda tendem a estar em desvantagem na prática de atividade física”, apontou.

O problema principal reside, segundo ele, na hierarquia de cada um dos aspectos estudados. Por conta disso, seria importante identificar e hierarquizar a contribuição que diferentes fatores têm na explicação da atividade física. “Só dessa forma seria possível desenvolver programas de intervenção que contribuíssem para a diminuição dos baixos níveis de atividade física evidenciados entre adolescentes”, disse.

Seabra defende a necessidade de se efetuar um reformulação nos programas de disciplina de educação física, principalmente em relação objetivos e das matérias e conteúdos, de forma a conseguir manter altos níveis de participação, motivação e prazer nas crianças e adolescentes pela prática de atividade física.

“Em uma sociedade em que hábitos e comportamentos dos indivíduos parecem contribuir significativamente para o aumento da epidemia das doenças cardiovasculares e crônicas, existe uma clara razão para orientar parte dos objetivos da disciplina de educação física na área da educação para a saúde e a aquisição conseqüente de estilos de vida mais ativos”, destacou.

Fonte: Agência FAPESP